MONETIZAÇÃO DE CONTEÚDO: POR QUE INFLUENCIAR AINDA NÃO DÁ DINHEIRO EM MOÇAMBIQUE?
- Nércio Machele
- 25 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de abr.

Com a crescente popularidade das redes sociais no mundo e no país especificamente, muitos jovens passaram a apostar na criação de conteúdo como uma possível fonte de rendimento. É comum ver perfis com dezenas ou centenas de milhares de seguidores no Facebook, TikTok, Instagram ou YouTube. Mas a pergunta que muitos ainda se fazem é: “Por que é que isso em Moçambique ainda não se traduz em dinheiro?” e a resposta está numa combinação de barreiras legais, limitações financeiras e, principalmente, exclusão digital.
Há um mito de Monetização Automática, ou seja, há uma ideia de que basta ter muitos seguidores para começar a ganhar dinheiro, porém, infelizmente, para o contexto moçambicano, isso uma ilusão, isto porque, embora plataformas como YouTube, TikTok e Instagram tenham programas de monetização, Moçambique está fora da lista de países elegíveis, o que torna impossível para os criadores locais ganharem dinheiro diretamente pelas visualizações ou engajamento.
Essas plataformas baseiam-se em critérios como a capacidade de gerar receita publicitária relevante, Segurança jurídica e fiscal, bem como, a presença de meios de pagamento eletrónico compatíveis e infelizmente, Moçambique ainda é classificado como um mercado de baixo rendimento com baixa maturidade digital, o que faz com que empresas como Google e Meta não priorizem a criação de infraestruturas locais para monetização.
Além disso, existe uma percepção de risco comercial, tanto pelo baixo volume de anunciantes locais quanto pela instabilidade das políticas de pagamento digital. O resultado? Moçambique fica de fora das listas do YouTube Partner Program, TikTok Creator Fund e Instagram Reels Bonus — programas que pagam diretamente os criadores com base em desempenho.
PayPal em Moçambique: Um Serviço pela Metade
Outro desafio que o país enfrenta, está relacionado ao bloqueio quase total de serviços internacionais de pagamento. Em consequência, serviços como o PayPal, o país tem pela metade. O seja, o PayPal, está tecnicamente disponível em Moçambique, mas apenas para envio de dinheiro, não para recebimento, o que significa que, um criador moçambicano até pode pagar por serviços online, mas não pode receber dinheiro de empresas estrangeiras, tornando-o inútil para monetização digital.
A questão seria, e porque isto acontece? E a resposta resume-se na não existência de incentivos ou acordos comerciais entre Moçambique e a PayPal Holdings para implementar os serviços de forma plena, falta de integração entre o sistema bancário moçambicano e o PayPal, mas também questões regulatórias: o Banco de Moçambique adopta políticas rígidas de controlo cambial, que dificultam a entrada de moeda estrangeira sem processos específicos de licenciamento e reporte, o que (a exclusão digital) aprofunda ainda mais a desigualdade, criando um sistema em que o talento existe, mas a estrutura não acompanha.
Ademais, conforme explanado anteriormente, o país o enfrenta vários desafios estruturais e legais que dificultam a monetização de conteúdos nas redes sociais, nomeadamente:
Ausência de regulamentação clara sobre economia digital: Não existe ainda uma legislação robusta que reconheça ou regule formalmente a actividade dos criadores de conteúdo digital, o que afecta o reconhecimento profissional dos influenciadores e suas possibilidades de acesso a benefícios fiscais, contratos comerciais ou proteção legal.
Limitações no sistema financeiro digital: Muitos sistemas de pagamento usados por plataformas (como Stripe, PayPal e Payoneer) não operam plenamente em Moçambique ou possuem limitações para transferências internacionais, criando entraves para que criadores recebam pagamentos.
Infraestrutura digital desigual: Segundo o DataReportal 2024, apenas cerca de 21% da população moçambicana tinha acesso regular à internet o que com certeza limita o alcance interno dos conteúdos e reduz o potencial de envolvimento com marcas locais.
Plataformas Favorecem Mercados “Lucrativos”
Onde há mais anunciantes e mais poder de compra, há mais investimento em criadores
Em Mercados “lucrativos” para as plataformas digitais, a lógica algorítmica é simples: onde há mais anunciantes e mais poder de compra, há mais investimento em criadores. Países como os Estados Unidos, Reino Unido ou Brasil estão no centro da estratégia de monetização, porque representam grandes mercados publicitários.
O YouTube, por exemplo, paga mais por visualizações originadas nesses países, devido ao custo dos anúncios, isto porque, um vídeo viral em Moçambique pode render apenas alguns dólares (ou meticais), enquanto o mesmo conteúdo, se consumido nos EUA, pode gerar centenas. O TikTok e o Instagram também priorizam algoritmicamente conteúdos que geram mais receita publicitária — o que frequentemente privilegia criadores de países do Norte Global, em detrimento dos criadores africanos, como apontado por estudos sobre desigualdade algorítmica (Noble, 2018; UNCTAD, 2021).
Moçambique, com PIB per capita baixo e pouca presença de marcas multinacionais com orçamento para marketing digital, ficam marginalizados e o resultado é um círculo vicioso: menos recursos, menos visibilidade, menos oportunidades de ganhar dinheiro — mesmo com conteúdos de qualidade.
E de facto, Moçambique é rico em talento criativo, originalidade e capacidade de contar histórias que se conectam com o público. No entanto, a ausência de uma regulamentação forte, a falta de estrutura para monetização digital — agravada por políticas financeiras restritivas e exclusão por parte das grandes plataformas — impede que esse talento se transforme em rendimento.
Contudo, enquanto o sistema não muda, os influenciadores moçambicanos seguem mostrando resiliência, inovação e criatividade para transformar seguidores em oportunidades reais de negócio, apostando em várias alternativas para a monetização (indirecta) desde, parcerias com marcas locais para promover produtos e serviços, venda de serviços e cursos online, campanhas com ONGs e projetos sociais (incluindo partidos políticos sobretudo em períodos eleitorais) e a criação de marcas próprias, aproveitando o capital social adquirido para lançar negócios próprios, como marcas de roupa, cosméticos ou eventos.
Referências:
DataReportal (2024). Digital 2024: Mozambique.
Banco de Moçambique (2023). Relatório Anual de Inclusão Financeira.
YouTube Help. Countries Where YouTube Partner Program is Available.
TikTok Creator Fund FAQ.
Club of Mozambique. PayPal Still Not Fully Functional in Mozambique.
Noble, S. U. (2018). Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism.
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